quarta-feira, 5 de maio de 2010

A falácia do Perdão



Existem sentimentos que denunciam a predisposição do homem à soberba e à tirania, embora sejam sempre disfarçados de virtudes de humildade e bondade.

O perdão talvez seja o objeto mais conflitante dentro da doutrina cristã. Perdoar torna o homem mais próximo de Deus, porque é atitude nobre e de extremo desprendimento. Porém é um sentimento divino. Não é humano. E não me refiro aqui a questões éticas ou religiosas. Trata-se de uma impossibilidade fisiológica. É impossível anular registros de fatos e emoções experimentados de nosso subconsciente. Por mais que se queira manter uma boa relação com quem nos tenha magoado, nunca se conseguirá restaurar a imagem quebrada por uma atitude negativa.

Nossa capacidade de registrar os fatos que vivenciamos é relacionada com os sentimentos experimentados naquelas ocasiões, de forma que, quanto maior for a intensidade do sentimento, mais intensa será a lembrança e os efeitos que dela provenham.

A ideia do perdão suscitaria uma completa anulação desses efeitos, o que é fisiologicamente impossível. Toda referência que se fizer ao fato, inclusive a imagem do responsável pela ofensa, nos remeterá as essas lembranças e aos sentimentos com elas gravados.

Ao fazermos uma inflexão para a auto-ajuda, podemos entender a preocupação que se tem dado a questão do perdão como forma de liberdade. A psicologia entende que ficar preso a ressentimentos é o mesmo que eternizar um acontecimento que foi desagradável em nossas vidas. Por isso, aplicando técnicas de programação neurolingüística, procura-se desviar a concentração do paciente daqueles episódios que remetem aos ressentimentos. É uma técnica de controle de pensamento, para que a magoa não fique agindo de forma constante em nossos pensamentos. Dessa forma, entende-se que a auto-ajuda não pretende atingir um perdão em seu significado absoluto e religioso, mas uma forma de neutralizar, pelo desvio do foco dos pensamentos, aqueles efeitos advindos do processo de ressentimento.

De qualquer forma, não é difícil se ver ou ouvir pessoas dizendo-se capaz de perdoar. Talvez não por consegui-lo de fato, mas para mostrar àquele que a havia ofendido, a grandeza do gesto que se é capaz. E ainda para evidenciar a fragilidade e as limitações daquele que é perdoado. Dizer que se perdoa sem ser capaz de fazê-lo é  manifestar a própria soberba travestida de bondade. É a vingança, o tapa de luvas. A afirmação de sua superioridade diante daquele que foi fraco e errou um dia.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Semiose: significando o mundo




A relação holística da existência é sem dúvida uma realidade. Tudo que existe está em permanente ligação sensorial. A percepção e a comunicação de tudo que tem vida é a base da harmonia e do equilíbrio do cosmos que, por suas semioses, identifica e classifica a senciência de seus seres.

Semiose é um termo científico que define o processo de significação das coisas. É o objeto de estudo da semiótica ou semiologia, termo concebido pelo filósofo suíço Ferdinand de Saussure. Esse processo de significação pode ser percebido em todos os seres sencientes, ou seja, todos os seres vivos capazes de perceber o mundo de alguma forma.

Significar não é uma exclusividade humana. A semiose pode ser verificada em várias sociedades animais, seja nas relações entre seus membros, seja nas relações entre espécies diferentes. Um exemplo desta afirmativa pode ser vislumbrado no seguinte fato: um grupo de macacos, ao perceber a aproximação de uma serpente, se agita e foge. Essa percepção do perigo captada pela imagem da serpente que se aproximava, pode ser considerada um processo semiótico. Desse modo, o bando se agitará todas as vezes que se defrontar com alguma imagem que lembre a presença de uma serpente. Houve a significação do perigo pela imagem da cobra.

Assim também se fazem diversos outros processos que, usando de outras formas de percepção, sintetizam, para os sencientes, um significado de uma realidade. Com a percepção olfativa o macho percebe o cio de uma fêmea. O cheiro do feromônio, demonstra ao macho que o sente a possibilidade de uma cópula. Houve um processo de semiose, em que a realidade percebida inspirou a idéia de acasalamento. A realidade observada (significante) é percebida e entendida como idéia (significado). Isto é semiose.

Em se tratando de seres humanos, a questão é bem mais complexa. O homem além de possuir a capacidade de perceber a realidade, também tem o poder de recriá-la. Ou seja, consegue reproduzir uma realidade em forma de símbolos de forma que, a idéia suscitada ao defrontá-lo, seja a mesma que se teria diretamente com o objeto simbolizado. Resta criado os signos. Símbolos que interligam uma realidade (significante) a uma idéia (significado).

Assim, diferentemente do que declaram muitos investigadores da filosofia da linguagem, a semiose não é um processo exclusivamente humano, apenas seu aperfeiçoamento através de signos o é.

A criação de signos pelo homem pode ser observada já nos primórdios em suas pinturas rupestres. A arte é o simbolismo mais marcante na historia da humanidade, suscitando idéias, emoções e filosofias. Porém, é na criação da escrita que configuraria seu ápice. A invenção da linguagem escrita, com suas palavras ( signos) e sua semântica (significados), fez surgir no mundo da filosofia algumas grandes e significativas discussões.

Para Ludwig Wittgenstein, em seu Tratado lógico-filosófico, a linguagem é o limite do mundo, assim como o mundo é o limite da linguagem. A assertiva proposta pelo filósofo, parte do princípio da relatividade do conceito de mundo. Ou seja, mundo é o que percebemos e identificamos lingüisticamente. É o que conseguimos descrever e conceber por nossos signos lingüísticos.

Dessa forma, não é difícil chegar-se ao entendimento que, tendo as pessoas capacidades lingüísticas diferentes, ter-se-ia uma infinidade de identificações e descrições para o mundo. Há uma subjetivação desse conceito. Uma restrição da realidade as produções e reproduções que se pode fazer dela.

Se a linguagem é o limite do mundo, esse limite é diferente para cada pessoa. Trata-se de um limite na medida de cada capacidade de comunicação. Da mesma forma, o mundo é o limite da linguagem. Essa assertiva não é relativa como a primeira, pois é aplicada a todos que utilizam a linguagem. Não é possível expressar nada que não existe no mundo. Nossa linguagem é limitada pelo que existe, pelo descritível.

Assim, fica clara a natureza investigativa dos seres. Significar é uma arte da comunicação da vida. É uma necessidade ao equilíbrio da existência. Criar a comunicação é um privilégio humano. Mais uma prova inequívoca da superioridade intelectual e sensorial da humanidade.

Do pré-conceito ao preconceito: quando a necessidade de significar aprisiona a capacidade de entender.



É da natureza humana a necessidade de conhecimento. O homem é o único ser que precisa identificar coisas e situações, acomodando tudo nos arquivos de sua mente e possibilitando melhores reações ao deparar-se com aquela mesma realidade. Essa programação neurolingüística gerada pela experiência é o que impulsiona o homem para novas descobertas. Nunca se parte do nada, há sempre um paradigma. Porém, o primeiro encontro com o desconhecido é sempre desastroso.

Todos nós temos medo daquilo que não conhecemos, pois não programamos uma reação específica para um encontro com o desconhecido. Daí nasce o pré-conceito, da necessidade de conceituar algo que não conhecemos. Trata-se de uma identificação prévia e irreal, cujo objetivo é unicamente o de suprir a necessidade imanente ao ser humano de conhecer todas as coisas. O pré-conceito, ou conceito anterior, nada mais é do que um protótipo de um conhecimento. É o ponto de partida para uma investigação séria e sutentável.

Assim como no mundo científico, a vida humana é movida por descobertas que, partindo de fantasias, chega-se a uma sólida realidade. Imaginar a proveniência dos seres, a sua finalidade e até mesmo os aspectos de sua constituição é uma rotina na vida das crianças. Mas, o processo formativo a que são submetidas, aos poucos vai deslindando as fábulas e os sonhos. A realidade vai se consolidando e o conceito se perfazendo.

O que se pretende demonstrar é que o pré-conceito é um processo natural no ser humano. É o instrumento do instinto pelo conhecimento. Primeiro imaginamos o que pode ser, depois descobrimos o que realmente é.

O grande problema que precisa ser superado, é estabelecido no percurso entre imaginar e conhecer. Isto porque nem todos possuem uma formação sólida o suficiente para chegarem ao conhecimento. Muitos às vezes se rendem ao “conceito” imaginado como se aquele fosse a realidade buscada. Assim, acreditando cegamente que o pré-conceito é de fato o conhecimento almejado, começa-se a se programar uma reação mental para se manifestar quando em contato com a coisa ou situação imaginada. Essa reação pode ser boa ou ruim, dependendo da natureza da criação mental que foi formada naquele individuo. Porém, em qualquer caso, será sempre uma reação injusta e equivocada, pois não se a teria se de fato conhecesse tal objeto. Assim, resta formado o preconceito.

Quando se fala que é preciso formação para se chegar ao conhecimento, diz-se que não basta informação, é imprescindível que se tenha capacidade e discernimento para filtrar as informações recebidas, separando, aquilo que realmente contribuirá para a construção de um conhecimento, daquilo que apenas traz especulações imaginativas, tão primárias quanto a primeira imprenssão daquele que desconhece.

Logo, aquele que não é capaz de discernir essas informações, é aliciado por doutrinas e teorias absurdas que criam preconceitos e difundem idéias erradas sobre realidades que não toleram. A intolerância é um tipo de reação programada pela mente com fundamento em um conceito imaginativo, ou seja, em um preconceito.

O que se verificou é que o pré-conceito pode ser um sentimento natural quando criado pela natureza humana imaginativa na tentativa de atingir algum conhecimento. Mas pode se transforma em arma mortal, quando utilizada como instrumento de manipulação, para promover a intolerância e aprisionar pessoas às margens do conhecimento. É uma arma poderosa na mão de demagogos, extremistas ou fanáticos religiosos.

Dessa forma, pode-se dizer que, a despeito de ser da natureza humana a busca pelo conhecimento, nem todos conseguem atingi-lo verdadeiramente. Princípios científicos podem ser facilmente aderidos ao cotidiano de qualquer pessoa como suporte de filtro de informações. O primeiro deles é o da especificidade e competência da fonte. É inadmissível, por exemplo, que religião fale sobre questões referentes a comportamento( área da psicologia) ou ciência e vice-versa. A habilitação daquele que informa também é fundamental. Também, é muito importante que a informação seja prestada sem segundas intenções, ou seja, que não sirva de pretexto para transações comerciais ou aliciamento religioso.

Em fim, somos seres científicos por natureza. Não deixemos que mentes perturbadas e mal intencionadas agridam nossa inteligência com falácias e sofismas. Não deixemos que uma imagem mal explicada se torne uma barreira definitiva que nos separa do conhecimento e das melhores e infindáveis possibilidades.

terça-feira, 23 de março de 2010

Simbolismo: a arte de criar o mundo dentro de nós



A partir da premissa de Parmênides de Eléia em que “conhecer é ser”, podemos construir a assertiva de que o homem é um ser simbólico. Se conhecer é entrar em contato com a realidade que nos é exógena e realizar uma união entre essa realidade e nossa essência mental, sem dúvidas estamos afirmando que, de certa forma, nos transformamos naquela realidade observada. Nosso intelecto, instrumento do subconsciente, tem a natureza racionalizadora, processando, comparando, diferindo e assimilando idéias, imagens e conceitos. 


Todo conhecimento adquirido pela experiência com o exterior se torna elementos mentais formadores de nosso inconsciente. Assim, pode-se dizer que o processo de conhecimento se traduz na constante transformação da realidade externa ao homem em uma realidade simbólica de significantes e significados. Todo contato e toda referência que se faz ao mundo, é feito por uma perspectiva simbólica de um universo captado e representado por ícones criados por nossos mecanismos de percepção.


Tudo que observamos e assimilamos pelos nossos canais sensíveis fica guardado e vinculado ao sentimento experimentado na ocasião do contato.

À medida que vivemos o processo de experimentação, aumentamos nosso potencial de intelecto. Crescemos. Amadurecemos. Tudo que apreendemos pelo contato direto ou indireto se torna parte de nós, ficando acomodado nos recantos de nosso inconsciente, nos auxiliando ou nos incomodando sob a forma de pulsões.

Pela lógica aristotélica, só pode ser objeto de desejo aquilo que é conhecido e imaginável. O conhecimento predispõe o desejo. Assim, tudo que assimilamos e guardamos em nosso inconsciente pelas nossas experiências, regerá, de certa forma, nossas atitudes e influenciará nossas vontades.

Em psicanálise freudiana, na simbologia dos sonhos, podemos compreender o fenômeno do desejo processado pelo inconsciente. Toda a matéria arquivada de alguma forma no inconsciente humano, será pulsionada, de forma simbólica, para o nosso estado consciente. Desta forma, torna-se viável uma realização de um desejo suscitado pela experiência, pelo conhecimento.


A forma de pulsão mais expressiva e regular que se pode verificar é o sonho. Nele o inconsciente nos dá sinais, sempre de forma simbólica, daquilo que queremos realizar. Cabe a cada um racionalizar e analisar o conteúdo desses símbolos, comparando-os com as vivências e com os desejos por elas suscitados. São desejos não compreendidos ou até mesmo censurados pelo nosso superego.

Contudo, podemos sim dizer que o homem é um ente simbólico e que conhecer é ser, de alguma forma, tudo aquilo que se experimenta. Somos o que conhecemos, desejamos o que conhecemos. Esse é o equilíbrio da atividade empírica humana.

Ser ou não ser: o avesso que nos complementa



Na constante busca por uma identidade que nos individualize, às vezes nos perdemos entre os rótulos que nos são sugeridos ou impostos, entre faces que gostaríamos de ter e não as temos e entre aquilo que realmente somos e não percebemos. Ser é diferenciar-se e mostrar-se na diferença.


“Quando digo o que sou, de alguma forma eu o faço para também dizer o que não sou. O não ser está no avesso do ser, assim como o tecido só é tecido porque há um avesso que o nega, não sendo outro, mas complementando-o. O que não sou também é uma forma de ser. Eu sou eu e meu avesso” (livro quem me roubou de mim, o sequestro da subjetividade. Pe. Fábio de Melo)


O conceito que encontramos acerca de nós mesmos, é um norte e um delineador de nossa identidade. A afirmação daquilo que se é, nega, ao mesmo tempo, o que se não é. A criação da diferença e da linha divisória é a ação responsável pelo surgimento da identidade e da subjetividade. Aquela pela definição que afirmamos a nosso respeito, essa por tudo aquilo que toca nossos limites, inclusive aquilo que negamos quando limitamos nossa identidade.

Portanto, nossa subjetividade é um conceito mais amplo do que a nossa própria identidade, alcançando até mesmo o avesso que negamos, mas que, de alguma forma, faz parte da construção de nossos significados.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Loucura e genialidade: uma perspectiva social e filosófica



A partir de conceitos próprios da psiquiatria, levanto a hipótese, por analogia, de um fenômeno social que propicia e identifica a genialidade humana. A loucura, como patologia da mente, pode ser lida sob uma perspectiva social, como fenômeno de transgressão natural de regras, de liberdade. A loucura social, este é o termo que tratarei em linhas filosoficamente dinâmicas, com incursões lógicas e analíticas.

Quando pensamos em loucura e genialidade é fundamental que fiquem esclarecidas algumas questões referentes à natureza da mente e dos conceitos de consciência , subconsciência e inconsciência. Isso porque o grau de consciência das pessoas pode ser estabelecido pelo acúmulo de informações adquiridas ao longo da vida, podendo ser aumentado ou reduzido, influenciando o comportamento e favorecendo ou não o estado de loucura.

O subconsciente ou superego, termo introduzido na psicanálise por Lacan, é um campo intermediário entre a consciência e a inconsciência. É um "espaço" mental que, a despeito de não termos acesso direto, podemos percebê-lo sob forma de informações internalizadas. São sugestões e regras que gerem nossa consciência (nosso ego). É o poder de racionalizar as coisas, impedindo que nossos desejos egoístas se manifestem. É no subconsciente que age nosso intelecto, racionalizando tudo que aprendemos como certo e errado, direcionando nossas atitudes, influênciando nossa leitura do mundo.

Em contrapartida temos por inconsciência a ausência de vigília. É o repositório da natureza animalesca que fica suprimida pela subconsciência.

De forma residual, temos a consciência, o nosso ego. É toda manifestação da personalidade, pulsionada pelo inconsciente e filtrada pelo subconsciente. É o que demonstramos, como agimos, como nos realizamos.

O cerne da questão que se quer tratar está no conceito de subconsciência. Essa repressão que aprisiona a maior parte dos nossos sentimentos, tornando-os latentes e muitas vezes até esquecidos. O subconsciente  é uma construção externa. Essa válvula repressora é uma manifestação exógena adquirida pelo contado com as regras e com a moralidade estabelecida pela sociedade.

Assim, não é difícil chegar-se ao entendimento de que quanto maior for o contato com as regras sociais, maior será a repressão estabelecia pelo nosso superego. Logo, podemos dizer que as pessoas urbanizadas, que têm um número maior de interações sociais, estão mais suscetíveis a desenvolver barreiras mentais do que aquelas que vivem no campo e possuem um número mais reduzido de interações.

No mesmo sentido podemos depreender que aqueles que convivem em ambiente nobre, regido por regras sociais mais austeras (etiquetas), tender-se-ão a se auto estabelecerem algumas restrições que não existiriam se vivessem em um ambiente mais despojado.

O fato é que, quanto maior for a interação e o número de regras a que nos submetemos, maior será o mecanismo repressor que vamos desenvolver.

Assim,podemos observar que, ao internalizarmos às regras, estamos restringindo nossa própria identidade a um núcleo tão elementar que ficamos todos claramante uniformizados.

Isso pode ser facilmente depreendido se olharmos o ser humano sob uma ótica social. A sociedade humana quando vista de uma forma máxima e geral, pode ser considerada disforme . Porém, ao ajustarmos o foco, se centrarmos em núcleos dentro dessa sociedade humana, iremos identificar diversos meties de pessoas que se submetem a uma mesma regra e que por isso possuem uma forma muito parecida de comportamento. É o que chamamos de moralidade. Número de regras sociais que um determinado grupo internaliza, respeitando-as e exigindo o seu cumprimento.

Este mecanismo racional descreve a rotina interativa de indivíduos considerados mentalmente sãos. Diversa é a situação daqueles considerados insanos. A maior parte das patologias mentais age na parte consciente do indivíduo. É a dissociação das regras e o completo esfacelamento dos mecanismos de controle impostos por elas e da capacidade racional.

Porém, como restou explicado na introdução deste ensaio,não se quer tratar dos casos de doenças mentais as quais retiram o homem do seu estado racional e imaginativo. Remeto-me ao termo loucura como elemento saudável de liberdade. Não se trata de um conceito patológico, mas de uma referência humana - a loucura social.

Apesar de existirem regras que moldam as pessoas dos grupos, podemos observar que em raríssimos casos, surgem indivíduos que não se deixam moldar. Embora não sejam mentalmente enfermos, esses homens são considerados loucos, pois a postura com que se apresentam na sociedade muitas vezes não se coaduna com as regras impostas.

Dessa forma, estigmatizados, vivem de forma anti-social e até imoral, mas não se permitem cegar os olhos multifocais adquiridos pela liberdade em nome do convencionalismo.

Assim, posso dizer que aqueles que são considerados loucos, não estão inteiramente alheios á moralidade e ás regras sociais. Mas, a despeito de reconhecê-las, não se deixam escravizar por elas. Eles não se submetem ao convencionalismo e vivem em uma realidade própria e indevassável. Os conceitos que desenvolvem e a leitura que fazem da matéria que os circulam são completamente originais, visto que não se prendem às regras já convencionadas.

Também é assim com as situações vividas. Por mais que se verifique aos olhos dos “sanos” as mais absurdas “loucuras”, na verdade apenas se trata da interação do homem com sua própria mente. A criação humana sem limites. A realidade contada pelo próprio ser e a partir do próprio ser.

Por que viver sob perspectivas prontas se é possível conceber a sua própria perspectiva do mundo? Por que se submeter àquilo que não faz sentido, que te aprisiona e que te tira a individualidade, transformando a todos em cópias fieis uns dos outros? Para que a insensata necessidade de se ser compreendido, quando ainda não compreendemos a própria natureza?

O que se pretende demonstrar é que o convencionalismo e a moralidade moldam os indivíduos. Porém aqueles que não se submetem à imposição das regras, a pesar de serem considerados “loucos”, terão sua individualidade preservada e conseguirão enxergar o mundo de forma peculiar e original, já que sua perspectiva individual não foi corrompida.

É dessa diferença raramente encontrada entre os homens que surgem os gênios. Embora em muitos casos a genética os favoreçam, o que os tornam geniais na verdade é a força de não se deixarem sucumbir ao convencionalismo. É o poder de se manter individualizado e não ter medo de expressar suas concepções livres, sem perspectivismos ou moralidade. É a consciência e a inconsciência juntas expressas em uma realidade ainda não imaginada e por isso tida por irreal, confusa e abstrata.

Os gênios (loucos) são pessoas que conseguiram ser livres, mas que pagaram o preço do estigma da loucura, do escárnio e do preconceito. Assim, somente têm a sua genialidade reconhecida após anos de sua morte, com a evolução da sociedade e de sua capacidade de compreendê-los.

Não esqueçamos do gênio Wolfgang Amadeus Mozart que foi tido como um verdadeiro excêntrico - um louco. Apesar de viver em um ambiente nobre e cheio de regras, Mozart não tinha pudor em caminhar semi-nu pelos corredores dos casarões em que tocava e de correr e gargalhar pela rua, sentindo cada gota de chuva tocando seu rosto e ali imaginado e concebendo o que seria mais uma de suas geniais obras.

Dito tudo isto, não espero que tornemos loucos e gênios, mas que aumentemos nossas perspectivas e não nos tornemos escravos das palavras e das idéias que nos são apresentadas e que vão de encontro com a nossa própria natureza. Que aceitemos os nossos sentimentos e concretizemos nossas vontades inofensivas. Que não abaixemos a cabeça para o preconceito e a intolerância que aprisionam o homem a um único conceito atribuído a alguém. Que não tenhamos medo de mostrar as nossas incoerências, pois é do caos que se extrai a ordem, assim como é das palavras perdidas que se concebe as mais fabulosas teorias filosóficas.

Liberdade: uma perspectiva intrínseca


A natureza humana alberga dois bens essenciais para cada um de nós - vida e liberdade. A vida é o bem mais importante do homem, pois sem ela nenhum outro teria relevância. É na verdade um pressuposto para a existência dos outros. Já a segunda pode ser um pressuposto para se viver de forma digna e saudável. Nada faz sentido na vida se não houver liberdade. Quando nela falamos, não podemos restringir a grandeza de seu significado ao campo material, pois não se quer tratar apenas do direito de locomoção de ir e vir, mas do bem em toda sua plenitude: mental e corporal. A liberdade mental ou de consciência é a maior, senão a única forma de se desenvolver o bem estar e a felicidade. Assim, fica claro a importância da identificação das causas ou fatores responsáveis pela ameaça desse bem essencial da vida humana.

O primeiro deles, talvez o mais arrebatador e de maior dificuldade de superação, é o vício. É muito óbvio que qualquer tipo de vício é capaz de cercear a liberdade de uma pessoa. A compulsão aprisiona o indivíduo deixando-o refém de uma única necessidade e privando-o de tudo mais que a vida lhe poderia oferecer. Trata-se de uma complexa causa de restrição de liberdade porque há uma conjunção física e psíquica.

O segundo fator a ser identificado é o medo. É inquestionável que este em algumas formas é capaz de aprisionar uma pessoa. É lógico que se está falando do medo patológico e não dos receios e limites naturais que são sentidos por todos. O medo ou temor exagerado por qualquer coisa nos imobiliza, tornando-nos inócuos às adversidades. O medo de arriscar nos furta as possibilidades e o medo concreto (de coisas ou pessoas) nos paralisa. De qualquer forma o medo nos tira a liberdade de consciência, reduzindo significativamente o nosso campo de vivência.

Não obstante tudo isso, existe uma característica humana capaz de nos aprisionar perpetuamente e de forma silenciosa e extremamente eficaz – a vaidade. Embora seja reconhecida como um vício, a vaidade deve ser questionada com maior altivez, já que o seu processo de aprisionamento se dá de forma imperceptível.

O indivíduo vaidoso vira refém do conceito que outros estabelecem a seu respeito. A vaidade o impõe limites e cerceia a felicidade, caso essa seja capaz de “ manchar” a reputação. Em muitos casos aliados a ela vêm a mentira como forma de manter a boa fama ou de dissimular aquela que não a é. A frustração também é outro sentimento experimentado.

Essa presunção nada mais é que o enchimento do ego com o próprio ego. O indivíduo presunçoso acredita piamente que é aquilo que pensam dele, mesmo que de fato não o seja. Por isso diz-se que está cheio de si. Em verdade está cheio de nada, de mentiras, está vazio. O orgulho constrói um individuo sem sentido próprio, uma vacuidade de vida e de verdades. Suas atitudes passam a ser guiadas pelo ego, desprendendo-se da consciência e do bom senso. Há uma deturpação dos valores que fortalece o conceito próprio em detrimento da verdadeira necessidade que lhe é sugerida.

Por fim, existem muitas causas que podem influenciar a nossa perda de liberdade. Talvez a vaidade seja a mais difícil de ser eliminada, pois ela é a união das outras. É um vício, pois há uma compulsão em se estabelecer uma imagem, mas também é um medo, já que o vaidoso não consegue mostrar suas fragilidades e fraquezas. Desvencilhar-se dos conceitos e preconceitos é, sem dúvidas, a melhor forma de se conquistar a felicidade e de se viver de forma leve e plena.