quarta-feira, 5 de maio de 2010

A falácia do Perdão



Existem sentimentos que denunciam a predisposição do homem à soberba e à tirania, embora sejam sempre disfarçados de virtudes de humildade e bondade.

O perdão talvez seja o objeto mais conflitante dentro da doutrina cristã. Perdoar torna o homem mais próximo de Deus, porque é atitude nobre e de extremo desprendimento. Porém é um sentimento divino. Não é humano. E não me refiro aqui a questões éticas ou religiosas. Trata-se de uma impossibilidade fisiológica. É impossível anular registros de fatos e emoções experimentados de nosso subconsciente. Por mais que se queira manter uma boa relação com quem nos tenha magoado, nunca se conseguirá restaurar a imagem quebrada por uma atitude negativa.

Nossa capacidade de registrar os fatos que vivenciamos é relacionada com os sentimentos experimentados naquelas ocasiões, de forma que, quanto maior for a intensidade do sentimento, mais intensa será a lembrança e os efeitos que dela provenham.

A ideia do perdão suscitaria uma completa anulação desses efeitos, o que é fisiologicamente impossível. Toda referência que se fizer ao fato, inclusive a imagem do responsável pela ofensa, nos remeterá as essas lembranças e aos sentimentos com elas gravados.

Ao fazermos uma inflexão para a auto-ajuda, podemos entender a preocupação que se tem dado a questão do perdão como forma de liberdade. A psicologia entende que ficar preso a ressentimentos é o mesmo que eternizar um acontecimento que foi desagradável em nossas vidas. Por isso, aplicando técnicas de programação neurolingüística, procura-se desviar a concentração do paciente daqueles episódios que remetem aos ressentimentos. É uma técnica de controle de pensamento, para que a magoa não fique agindo de forma constante em nossos pensamentos. Dessa forma, entende-se que a auto-ajuda não pretende atingir um perdão em seu significado absoluto e religioso, mas uma forma de neutralizar, pelo desvio do foco dos pensamentos, aqueles efeitos advindos do processo de ressentimento.

De qualquer forma, não é difícil se ver ou ouvir pessoas dizendo-se capaz de perdoar. Talvez não por consegui-lo de fato, mas para mostrar àquele que a havia ofendido, a grandeza do gesto que se é capaz. E ainda para evidenciar a fragilidade e as limitações daquele que é perdoado. Dizer que se perdoa sem ser capaz de fazê-lo é  manifestar a própria soberba travestida de bondade. É a vingança, o tapa de luvas. A afirmação de sua superioridade diante daquele que foi fraco e errou um dia.