quinta-feira, 15 de abril de 2010

Semiose: significando o mundo




A relação holística da existência é sem dúvida uma realidade. Tudo que existe está em permanente ligação sensorial. A percepção e a comunicação de tudo que tem vida é a base da harmonia e do equilíbrio do cosmos que, por suas semioses, identifica e classifica a senciência de seus seres.

Semiose é um termo científico que define o processo de significação das coisas. É o objeto de estudo da semiótica ou semiologia, termo concebido pelo filósofo suíço Ferdinand de Saussure. Esse processo de significação pode ser percebido em todos os seres sencientes, ou seja, todos os seres vivos capazes de perceber o mundo de alguma forma.

Significar não é uma exclusividade humana. A semiose pode ser verificada em várias sociedades animais, seja nas relações entre seus membros, seja nas relações entre espécies diferentes. Um exemplo desta afirmativa pode ser vislumbrado no seguinte fato: um grupo de macacos, ao perceber a aproximação de uma serpente, se agita e foge. Essa percepção do perigo captada pela imagem da serpente que se aproximava, pode ser considerada um processo semiótico. Desse modo, o bando se agitará todas as vezes que se defrontar com alguma imagem que lembre a presença de uma serpente. Houve a significação do perigo pela imagem da cobra.

Assim também se fazem diversos outros processos que, usando de outras formas de percepção, sintetizam, para os sencientes, um significado de uma realidade. Com a percepção olfativa o macho percebe o cio de uma fêmea. O cheiro do feromônio, demonstra ao macho que o sente a possibilidade de uma cópula. Houve um processo de semiose, em que a realidade percebida inspirou a idéia de acasalamento. A realidade observada (significante) é percebida e entendida como idéia (significado). Isto é semiose.

Em se tratando de seres humanos, a questão é bem mais complexa. O homem além de possuir a capacidade de perceber a realidade, também tem o poder de recriá-la. Ou seja, consegue reproduzir uma realidade em forma de símbolos de forma que, a idéia suscitada ao defrontá-lo, seja a mesma que se teria diretamente com o objeto simbolizado. Resta criado os signos. Símbolos que interligam uma realidade (significante) a uma idéia (significado).

Assim, diferentemente do que declaram muitos investigadores da filosofia da linguagem, a semiose não é um processo exclusivamente humano, apenas seu aperfeiçoamento através de signos o é.

A criação de signos pelo homem pode ser observada já nos primórdios em suas pinturas rupestres. A arte é o simbolismo mais marcante na historia da humanidade, suscitando idéias, emoções e filosofias. Porém, é na criação da escrita que configuraria seu ápice. A invenção da linguagem escrita, com suas palavras ( signos) e sua semântica (significados), fez surgir no mundo da filosofia algumas grandes e significativas discussões.

Para Ludwig Wittgenstein, em seu Tratado lógico-filosófico, a linguagem é o limite do mundo, assim como o mundo é o limite da linguagem. A assertiva proposta pelo filósofo, parte do princípio da relatividade do conceito de mundo. Ou seja, mundo é o que percebemos e identificamos lingüisticamente. É o que conseguimos descrever e conceber por nossos signos lingüísticos.

Dessa forma, não é difícil chegar-se ao entendimento que, tendo as pessoas capacidades lingüísticas diferentes, ter-se-ia uma infinidade de identificações e descrições para o mundo. Há uma subjetivação desse conceito. Uma restrição da realidade as produções e reproduções que se pode fazer dela.

Se a linguagem é o limite do mundo, esse limite é diferente para cada pessoa. Trata-se de um limite na medida de cada capacidade de comunicação. Da mesma forma, o mundo é o limite da linguagem. Essa assertiva não é relativa como a primeira, pois é aplicada a todos que utilizam a linguagem. Não é possível expressar nada que não existe no mundo. Nossa linguagem é limitada pelo que existe, pelo descritível.

Assim, fica clara a natureza investigativa dos seres. Significar é uma arte da comunicação da vida. É uma necessidade ao equilíbrio da existência. Criar a comunicação é um privilégio humano. Mais uma prova inequívoca da superioridade intelectual e sensorial da humanidade.

Do pré-conceito ao preconceito: quando a necessidade de significar aprisiona a capacidade de entender.



É da natureza humana a necessidade de conhecimento. O homem é o único ser que precisa identificar coisas e situações, acomodando tudo nos arquivos de sua mente e possibilitando melhores reações ao deparar-se com aquela mesma realidade. Essa programação neurolingüística gerada pela experiência é o que impulsiona o homem para novas descobertas. Nunca se parte do nada, há sempre um paradigma. Porém, o primeiro encontro com o desconhecido é sempre desastroso.

Todos nós temos medo daquilo que não conhecemos, pois não programamos uma reação específica para um encontro com o desconhecido. Daí nasce o pré-conceito, da necessidade de conceituar algo que não conhecemos. Trata-se de uma identificação prévia e irreal, cujo objetivo é unicamente o de suprir a necessidade imanente ao ser humano de conhecer todas as coisas. O pré-conceito, ou conceito anterior, nada mais é do que um protótipo de um conhecimento. É o ponto de partida para uma investigação séria e sutentável.

Assim como no mundo científico, a vida humana é movida por descobertas que, partindo de fantasias, chega-se a uma sólida realidade. Imaginar a proveniência dos seres, a sua finalidade e até mesmo os aspectos de sua constituição é uma rotina na vida das crianças. Mas, o processo formativo a que são submetidas, aos poucos vai deslindando as fábulas e os sonhos. A realidade vai se consolidando e o conceito se perfazendo.

O que se pretende demonstrar é que o pré-conceito é um processo natural no ser humano. É o instrumento do instinto pelo conhecimento. Primeiro imaginamos o que pode ser, depois descobrimos o que realmente é.

O grande problema que precisa ser superado, é estabelecido no percurso entre imaginar e conhecer. Isto porque nem todos possuem uma formação sólida o suficiente para chegarem ao conhecimento. Muitos às vezes se rendem ao “conceito” imaginado como se aquele fosse a realidade buscada. Assim, acreditando cegamente que o pré-conceito é de fato o conhecimento almejado, começa-se a se programar uma reação mental para se manifestar quando em contato com a coisa ou situação imaginada. Essa reação pode ser boa ou ruim, dependendo da natureza da criação mental que foi formada naquele individuo. Porém, em qualquer caso, será sempre uma reação injusta e equivocada, pois não se a teria se de fato conhecesse tal objeto. Assim, resta formado o preconceito.

Quando se fala que é preciso formação para se chegar ao conhecimento, diz-se que não basta informação, é imprescindível que se tenha capacidade e discernimento para filtrar as informações recebidas, separando, aquilo que realmente contribuirá para a construção de um conhecimento, daquilo que apenas traz especulações imaginativas, tão primárias quanto a primeira imprenssão daquele que desconhece.

Logo, aquele que não é capaz de discernir essas informações, é aliciado por doutrinas e teorias absurdas que criam preconceitos e difundem idéias erradas sobre realidades que não toleram. A intolerância é um tipo de reação programada pela mente com fundamento em um conceito imaginativo, ou seja, em um preconceito.

O que se verificou é que o pré-conceito pode ser um sentimento natural quando criado pela natureza humana imaginativa na tentativa de atingir algum conhecimento. Mas pode se transforma em arma mortal, quando utilizada como instrumento de manipulação, para promover a intolerância e aprisionar pessoas às margens do conhecimento. É uma arma poderosa na mão de demagogos, extremistas ou fanáticos religiosos.

Dessa forma, pode-se dizer que, a despeito de ser da natureza humana a busca pelo conhecimento, nem todos conseguem atingi-lo verdadeiramente. Princípios científicos podem ser facilmente aderidos ao cotidiano de qualquer pessoa como suporte de filtro de informações. O primeiro deles é o da especificidade e competência da fonte. É inadmissível, por exemplo, que religião fale sobre questões referentes a comportamento( área da psicologia) ou ciência e vice-versa. A habilitação daquele que informa também é fundamental. Também, é muito importante que a informação seja prestada sem segundas intenções, ou seja, que não sirva de pretexto para transações comerciais ou aliciamento religioso.

Em fim, somos seres científicos por natureza. Não deixemos que mentes perturbadas e mal intencionadas agridam nossa inteligência com falácias e sofismas. Não deixemos que uma imagem mal explicada se torne uma barreira definitiva que nos separa do conhecimento e das melhores e infindáveis possibilidades.